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  • Foto do escritorLetícia Dias

Her: Amor, solidão e encerramento de ciclos

Atualizado: 6 de mai. de 2018

Por que o filme de Spike Jonze provoca tantos questionamentos e reflexões sobre a vida?

Assistir "Her" é mergulhar de cabeça num profundo autoquestionamento. O filme lançado em 2013, escrito e dirigido por Spike Jonze e protagonizado por Joaquin Phoenix ao lado da voz de Scarlett Johansson aborda questões existenciais com tal maestria que se mantém atemporal. Se você já assistiu, sabe do que estou falando, se não, vai conseguir entender da mesma forma, pois amor e solidão são sentimentos compartilhados por todos.


A história se passa em uma Los Angeles futurística, onde a tecnologia é apresentada de forma bastante humanizada e aconchegante. Nesse cenário, o sensível e solitário Theodore Twombly é protagonista. Enfrentando uma recente separação e ainda assombrado pelas lembranças de seu relacionamento com Catherine, ele está em constante desconexão com o mundo no qual vive. Sua vida sofre uma reviravolta quando ele é apresentado a Samantha, um sistema operacional de ultima geração que possui inteligência artificial e é programado para atender suas necessidades e se ajustar a sua personalidade. Samantha é cativante, possui senso crítico e bom humor, além de ter uma incrível perspectiva em relação a existência. Tais características cativaram Theodore, que logo se apaixonou por ela. Nesse novo relacionamento, ele reencontra seu entusiasmo pela vida, pois se encanta pela visão que ela tem do mundo.


Agora que até mesmo quem não assistiu, está informado, vamos direto ao assunto. Amor é uma palavra bem recorrente sempre que o filme é citado. E o longa retrata a busca por um amor ideal ao mesmo tempo em que quebra tal conceito. Theodore vive tendo flashbacks de seu relacionamento com Catherine, e na maioria das vezes após tais lembranças é mostrado que ele recorre a tentativas de preencher esse vazio deixado pelo término, essas tentativas variam desde a entrada dele num chat sexual até seu relacionamento com Samantha. Isso acontece porque Theodore precisa se relacionar com alguém para conseguir validar a própria existência. Em um mundo que está sendo constantemente unificado e onde é cada vez mais acessível se relacionar, mais distantes umas das outras as pessoas estão, Theodore não é um caso isolado, outras pessoas se envolveram com seus sistemas operacionais.


Isso pode ser explicado pela facilidade de se relacionar com alguém que corresponde a todas suas expectativas, se adapta a sua personalidade e está sempre sob seu controle. E o principal dilema existente no filme é desejo versus necessidade, o que você quer nem sempre é o que você precisa. Por isso o sentimento de solidão é constante na vida de Theodore. A felicidade conquistada por ele é meramente artificial, pois ele recorre a soluções fáceis e instantâneas para lidar com seu limbo emocional, já que não tem consciência de seus reais problemas.

"Nesse mundo utópico, tudo é bom e tudo é confortável, você está aparentemente obtendo tudo que precisa, tendo essa vida agradável, e ainda há solidão, isolamento e desconexão. Existe mais conveniência e a tecnologia torna as coisas mais fáceis, e ainda assim existe solidão". Spike Jonze

As lembranças que Theodore apresenta ao decorrer do filme, e que influenciam suas decisões, são fragmentos das memórias do passado que ele insiste em afastar para o fundo de sua mente. Esses flashbacks são recordações construídas, mentiras que ele conta a si mesmo e que o tornam um escravo do conceito de um relacionamento ideal e inalcançável. Ao lembrar apenas de momentos selecionados do que ele viveu com Catherine, Theodore se fecha para o que acontece ao seu redor. Sua preocupação com o distanciamento que mudanças podem provocar faz com que ele permaneça preso a ideais remotos e não se abra para o mundo, por isso sua desconexão com o mesmo é constante, assim como o sentimento de solidão.


O erro de Theodore está em sua incapacidade de perceber que a solidão é um sentimento partilhado por todos nós, e essa falta de percepção faz com que ele não compreenda a solidão daqueles que o cercam, o que pode ter sido um dos motivos do fim de seu relacionamento. Ao aceitar a tristeza presente em sua história, ele reconhece seu isolamento, e através dessa realização ele chega onde deveria estar. Theodore se torna disposto a aceitar que a felicidade nem sempre vem dos lugares que queremos, e assim o mundo se abre para ele, que se permite viver o presente e escreve uma carta para Catherine, carta essa que representa sua reconexão com o mundo.

Querida Catherine,
Estava aqui sentado, pensando em todas as coisas pelas quais queria me desculpar. Toda a dor que causamos um ao outro. Tudo pelo que te culpo. Tudo o que precisei que você se tornasse ou me dissesse. Me desculpe por isso. Eu sempre vou te amar, porque crescemos juntos e você me ajudou a ser quem sou. Eu só queria que você soubesse que sempre haverá um pedaço de você em mim, e eu sou grato por isso. Quem quer que você tenha se tornado, e onde quer que esteja no mundo, eu estou lhe enviando amor. Você é minha amiga até o fim.
Com amor, Theodore.

Theodore reflete muitos de nós e por isso a identificação e a empatia são elementos que nos prendem ao filme. Her nos trás vários ensinamentos, mostra que a solidão é parte da vida e que devemos superá-la; que as pessoas mudam constantemente e por isso precisamos aprender a abraçar o desconhecido; que amar é saber se comunicar, crescer junto, evoluir com o outro e fluir com isso; que memórias, por mais lindas que sejam, não podem ofuscar seu presente; e que a aceitação do fim de um relacionamento pode significar o encerramento de um ciclo, mas não necessariamente o fim de uma história. E todas essas ideias, se somadas podem ser definidas em uma única sentença "O passado é apenas uma história que contamos a nós mesmos".

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